A Inteligência Artificial em Licitações emergiu de um conceito futurista para se tornar uma aliada revolucionária e acessível, redefinindo o universo das contratações públicas. 

A Lei nº 14.133/2021, a Nova Lei de Licitações, já sinalizava o caminho para uma era mais digital e eficiente, mas é a IA que se estabelece como a força motriz que acelera essa transformação. 

A IA tem o propósito de otimizar, potencializar o talento humano e conferir mais segurança e celeridade às atividades, promovendo maior transparência e segurança jurídica desde o planejamento até o encerramento contratual.

O ponto central da IA em licitações não é a substituição do ser humano, mas sim a automação inteligente e o apoio à decisão estratégica, permitindo que os profissionais da área se concentrem em pensamentos que realmente evoluem e potencializam o conhecimento.

inteligencia-artificial-em-licitacoes-1024x683 Inteligência Artificial em Licitações: o caminho sem volta da automação e da Estratégia Inteligente

O cenário

Antes de explorarmos a revolução da IA, é crucial entender os desafios complexos que historicamente consomem tempo, elevam custos e introduzem erros no ciclo licitatório, exigindo a busca incessante por vantagem competitiva.

A sobrecarga da complexidade e volume de dados

Um dos maiores desafios é a quantidade e a complexidade das informações. Milhares de editais são publicados diariamente em plataformas como o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), ComprasNet e portais estaduais/municipais.

  • Editais Extensos e Clausulados: Não é incomum encontrar editais com centenas de páginas, repletos de termos jurídicos e cláusulas minuciosas. A leitura manual e a interpretação de cada detalhe são exaustivas e suscetíveis a erros.
  • Anexos Críticos: A informação crucial muitas vezes está escondida em anexos, como Termos de Referência, Projetos Básicos e planilhas de preços, aumentando a carga de trabalho de análise.
  • Análise Histórica Manual: Para precificar de forma competitiva, é essencial analisar o histórico de preços e o comportamento dos concorrentes. Coletar e correlacionar esses dados manualmente é quase impraticável e consome tempo precioso.

Essa avalanche de dados dificulta a identificação das melhores oportunidades e aumenta o risco de perder prazos ou não cumprir alguma exigência fundamental.

O fator humano e a margem de erro

Por mais experientes que sejam, as equipes enfrentam a fadiga e a sobrecarga inerentes à análise repetitiva.

  • Limitação de Processamento: Nenhum ser humano consegue processar e correlacionar a quantidade de dados que uma máquina pode em questão de segundos.
  • A Falha Humana: Erros históricos, inclusive envolvendo valores altos, estão ligados direta ou indiretamente à falha humana. O uso da IA reduz drasticamente a quantidade de erros relacionados a essa falha, podendo levar a zero.
  • Matemática Burra: Especialistas ressaltam que o uso da IA gera um ganho de tempo substancial, mas confiar 100% no produto final sem fazer uma conferência consistente (double check ou triple check) é a “famosa matemática burra,” pois anula o tempo ganho.

A velocidade absurda da IA: um crescimento exponencial no Setor Público

A adoção da Inteligência Artificial em licitações não é apenas um avanço; é uma revolução tecnológica cuja velocidade é considerada absurda, sendo humanamente impossível acompanhar em tempo real todas as mudanças que estão acontecendo. 

Essa aceleração extrema garante que, em um futuro próximo ou médio, quem não estiver utilizando a IA em alto nível estará fora do jogo de competição.

Marcos da aceleração e adoção institucional

A velocidade da IA é comprovada pela sua rápida incorporação por órgãos de controle e plataformas governamentais, que utilizam o potencial da ferramenta para aumentar a eficiência e combater fraudes:

  • 2018: O Tribunal de Contas da União (TCU), em parceria com a Controladoria-Geral da União (CGU), implementou o sistema Alice em Brasília. O “Alice” analisa editais e atas de pregão em minutos, identificando irregularidades e cláusulas restritivas.
  • 2018 (Internacional): Singapura implementou o sistema GeBIZ, que monitora fraudes em tempo real e já detectou lances manipulados em licitações de infraestrutura em 2021.
  • 2019 (Internacional): O “Crown Commercial Service” no Reino Unido começou a usar a IA para verificar preços de mercado e evitar superfaturamento em contratos de TI.
  • 2020: O sistema “Comprasnet 4.0” do Governo Federal começou a utilizar a IA para filtrar propostas que estivessem fora dos padrões de mercado.
  • 2020 (Internacional): O Departamento de Defesa dos Estados Unidos implementou a plataforma “Advana” para analisar propostas em tempo real e garantir a conformidade orçamentária.
  • 2021: O Ministério Público do Mato Grosso (MP/MT) iniciou um projeto com a Microsoft que desenvolveu uma ferramenta de IA para analisar Termos de Referência, identificando indícios de superfaturamento.
  • 2023: O Metrô de São Paulo iniciou um projeto piloto com o Centro da Quarta Revolução Industrial do Brasil (C4IR Brasil) e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação para avaliar riscos éticos e técnicos em contratações.
  • 2025: Democratização global do uso de IA. Só a OpenAI planeja atingir 1 bilhão de usuários do ChatGPT até o final de 2025.

A lei que rege o setor, Lei 14.133/21, já não é mais considerada “tão nova” e, assim como o Decreto 10.332 de 2020, ela incentiva o uso de recursos tecnológicos para ampliar a eficiência e o controle das contratações. 

A tendência é que todas as licitações da administração pública passem a ser feitas de forma eletrônica, o que é visto como um caminho sem volta. 

Aqueles que não se adaptarem a essa migração massiva para o eletrônico e às novas tecnologias, como a IA, ficarão para trás.

O poder da automação e a estrutura da IA nas licitações

A IA funciona como um ecossistema de soluções que automatiza o que é repetitivo, acelera o que é demorado e otimiza o que é estratégico.

A Forseti, no eLicitação, já utiliza inteligência artificial de forma concreta e massiva dentro de sua plataforma, especialmente nas rotinas que envolvem coleta, tratamento e organização de dados de licitações públicas.

Antes da adoção da IA, uma parte significativa desse trabalho, incluindo a captação, classificação e higienização de editais, era realizada manualmente. Hoje, a maior parte desse processo foi automatizada, com índices que superam os 90% e continuam crescendo à medida que novos modelos são treinados.

Essa automação impacta diretamente a eficiência dos nossos produtos, como o eLicitaBoletim, que passou de um fluxo manual intenso para um processo quase totalmente operado por inteligência artificial, garantindo velocidade, escala e padronização de informações para o fornecedor.

Além da automação atual, a Forseti está em fase final de desenvolvimento da LIA (Licitações com Inteligência Artificial), prevista para lançamento no início de 2026.

A LIA funcionará como um copiloto técnico para o fornecedor, capaz de:

  • Localizar rapidamente as informações críticas dentro de um edital
  • Extrair itens, quantidades, anexos e premissas de forma estruturada
  • Resumir pontos relevantes e identificar riscos
  • Auxiliar na triagem e priorização das oportunidades

Em outras palavras, ela reduzirá drasticamente o tempo gasto na leitura, interpretação e análise dos documentos, um dos maiores gargalos dos licitantes, além de minimizar falhas humanas inerentes ao processo.

Desmistificando a tecnologia

No coração da IA aplicada às licitações estão algoritmos complexos e grandes volumes de dados:

  • Machine Learning (ML): Capacidade de o sistema “aprender” com dados históricos. O ML pode prever o preço vencedor com base em licitações passadas ou estimar preços de referência e prever riscos de sobrepreço ou baixa competitividade.
  • Processamento de Linguagem Natural (PLN): Tecnologia que permite aos computadores “entender” e “interpretar” a linguagem humana, como a leitura de editais extensos escritos em linguagem jurídica e técnica. O PLN é fundamental para transformar texto não estruturado (documentos) em dados acionáveis.

A importância do prompt (Comando)

A IA apenas potencializa o que o usuário tem: se o conhecimento for fraco, a entrega será fraca. A chave para maximizar o uso da IA é focar em aprender a estrutura básica de prompt (o comando).

  • Barreira da cadeira e da máquina: Invariavelmente, a maior parte dos erros e a barreira de entrada está ligada ao nível do prompt que o usuário insere.
  • Conhecimento prévio: É necessário um conhecimento prévio do tema (Lei 14.133/21 e regulamentos) para se valer da ferramenta. Se perguntas vazias forem feitas, as respostas serão vazias.

IAs auxiliares e automações revolucionárias por fase

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A IA atua em todas as fases, desde o planejamento até a fiscalização, utilizando assistentes e agentes específicos que, em grandes empresas, conseguem acampar todo o processo licitatório.

1. Pré-licitação e Planejamento (Otimizando a descoberta)

A automação nesta fase transforma a prospecção exaustiva em descoberta inteligente:

  • Captação Automática de Oportunidades: A IA automatiza a busca de editais no PNCP ou em revistas eletrônicas, conectando-se a APIs e utilizando palavras-chave. Esta automação é essencial, pois quem não se adaptar a essas tecnologias ficará para trás.
  • Análise Inicial e Triagem de Editais: Após a captação, a IA pode jogar os editais em uma ferramenta de gestão de projetos. De forma automática, ela extrai as premissas principais para que o usuário entenda se o edital é realmente interessante ou deve ser descartado (por valor baixo ou inviabilidade), economizando horas de análise manual.
  • Elaboração de Artefatos de Planejamento (Administração): A IA auxilia o gestor público na confecção de documentos cruciais, como o Documento de Formalização da Demanda (DFD), Estudo Técnico Preliminar (ETP), gerenciamento de risco, Termo de Referência e Edital.
  • Estimação de Preços e Análise de Mercado: Algoritmos de machine learning auxiliam na estimação de preços de referência, comparando cotações e sugerindo ajustes em textos confusos. Empresas fornecedoras podem configurar assistentes que dão uma precificação orientada pelo acordo de negócio do licitante, como uma margem de lucro específica (ex.: 15%), sobre sua base de custos.

2. Fase de Disputa e Proposta

Nesta etapa, a IA garante precisão e conformidade, mitigando a dor da inexatidão documental e da precificação manual.

  • Integração com Estoque e Precificação (Grandes Fornecedores): Para grandes empresas, a IA pode ser plugada ao sistema de estoque. A oportunidade do edital corrobora com o estoque para verificar a disponibilidade de itens e o preço base, garantindo que a margem desejada seja aplicada e alertando sobre itens em falta.
  • Elaboração de Propostas e Documentação: A IA pode elaborar propostas e, em um ganho significativo de tempo, emitir automaticamente as declarações clássicas exigidas nos editais (cerca de 10), já no papel timbrado da empresa e com assinatura eletrônica.
  • Revisão de Conformidade e Riscos: O PLN (Processamento de Linguagem Natural) permite que a IA faça um “pente-fino” nos arquivos, verificando habilitação, certificações, demonstrações contábeis e atestados de capacidade técnica, gerando alertas se algo estiver fora do padrão.
  • Apoio a Impugnações e Recursos: Ferramentas modernas buscam trechos relevantes da legislação e sugerem linhas de defesa com rapidez. A IA pode carregar jurisprudências para auxiliar na elaboração de peças recursais e contrarrazões, e pode gerar pedidos de esclarecimento e impugnação.
  • Detecção de Fraudes (Administração): A IA não se limita a buscar palavras-chave; ela compreende o contexto do texto, localizando indícios de fraude, cláusulas suspeitas ou erros crassos. Projetos como o “Alice” do TCU (implementado em 2018) e a ferramenta do Ministério Público do Mato Grosso (2021) já demonstraram essa capacidade ao analisar editais, identificar irregularidades ou indícios de superfaturamento.

3. Gestão e Fiscalização Contratual (As dores pós-licitação)

O trabalho da IA não termina na contratação. Ela simplifica a complexa fase de acompanhamento de prazos e conformidade.

  • Monitoramento e Alertas: A IA organiza relatórios, checa se as entregas foram feitas e gera alertas de prazo. Ela pode monitorar prazos, entregas, pagamentos e gerar relatórios automáticos para facilitar a fiscalização, evitando que o servidor perca tempo compilando documentos.
  • Apoio à Fiscalização: A IA pode ser aplicada em apoio à equipe de fiscalização, gerando checklists para fiscais técnicos e administrativos, trazendo objetividade ao trabalho de indivíduos que, muitas vezes, não têm formação jurídica ou específica em licitações.
  • Análise de Dados em Massa: Alguns sistemas analisam dados em massa para sinalizar problemas, cruzando relatórios, notas fiscais e auditorias técnicas para indicar desvios ou incoerências.
  • Sistemas Governamentais: O Comprasnet 4.0 do Governo Federal utiliza IA desde 2020 para filtrar propostas fora dos padrões de mercado. Internacionalmente, plataformas como o Advana (EUA) analisam propostas em tempo real, e o GeBIZ (Singapura) monitora fraudes, detectando lances manipulados.

Riscos e responsabilidade: o fator humano é inalienável

Apesar da potência da automação, a IA levanta questões jurídicas complexas e a necessidade de responsabilidade.

A responsabilidade

A IA em hipótese alguma anula o fator humano. A decisão final é sempre do gestor público, e não é possível terceirizar a culpa ou responsabilidade por uma decisão automatizada.

  • A IA não tem CPF: Se houver uso incorreto da IA, quem será responsabilizado (via multa, impedimento de licitar, etc.) é o fornecedor, a administração ou a pessoa física que a utilizou.
  • Risco de Dano ao Estado: Quando o agente público erra, ele erra como Estado. O erro, mesmo que subsidiado por IA, pode gerar responsabilidade objetiva da administração e subjetiva do agente, além de danos ao interesse público.

Erros e cibersegurança

A IA pode errar e vai errar. Em um direito não codificado como licitações, com mudanças normativas e jurisprudências constantes, a IA pode alucinar, errar referências e criar acórdãos ou normas que não existem.

  • Validação Essencial: Se o usuário não tiver o mínimo de conhecimento para verificar esses erros, ele pode replicá-los, o que é grave.
  • Cibersegurança e Estratégia: Dado que dados sensíveis e estratégicos (como margem de lucro) são compartilhados, a segurança é crítica. Recomenda-se não usar ferramentas de IA gratuitas, pois a informação e a estratégia ficam muito mais disponíveis do que em uma conta privada, e evitar plataformas agregadoras de múltiplas IAs, que podem levar ao compartilhamento integral de prompts e informações entre usuários.

A qualificação como nova vantagem competitiva

A implementação da IA enfrenta desafios, como a necessidade de dados precisos e a capacitação de servidores.

A chave para o sucesso é a qualificação. É fundamental que tanto o fornecedor quanto a administração tenham uma boa noção da Lei 14.133/21 e dos regulamentos antes de usar a ferramenta.

A IA está, inclusive, reconectando o ser humano com sua origem: quem conseguirá usar a inteligência artificial em alto nível é aquele que tiver a maior capacidade de dar um prompt, o que exige uma elevada capacidade de comunicação (escrita, fala e leitura). 

A necessidade de prompts de qualidade está forçando um ciclo virtuoso de melhoria da comunicação e eloquência do usuário, um valor que jamais se perderá, independentemente da tecnologia.

Em suma, a IA transforma a complexidade licitatória em automação estratégica, mas exige que o usuário se eleve do “usuário de entrada” para um estrategista de negócios públicos, com a responsabilidade final de validar o que a máquina produz. 

A mudança não vai esperar.

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas é palestrante e especialista em licitações públicas, com mais de 20 anos de experiência orientando empresas a vender para o governo de forma estratégica e segura.

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