Introdução

Os anos eleitorais costumam gerar apreensão entre licitantes, pois surgem dúvidas sobre a possibilidade de participação em certames, execução de contratos e recebimento de pagamentos. Existem mitos de que licitações em ano eleitoral seriam proibidas durante a eleição ou de que o governo deixaria de honrar compromissos. 

Este artigo esclarece o que realmente acontece em um ano eleitoral, quais são os limites impostos pela legislação, quais cuidados as empresas devem tomar e por que continuar participando de licitações é uma estratégia válida.

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Licitações em ano eleitoral

A legislação eleitoral e as licitações

A legislação que regula as eleições, especialmente a Lei nº 9.504/1997, estabelece condutas vedadas aos agentes públicos durante o período eleitoral, com o objetivo de prevenir abuso de poder político e econômico. 

Entre as principais vedações estão: conceder ou ampliar vantagens salariais a servidores, realizar transferência voluntária de recursos para municípios, ou veicular publicidade institucional que se caracterize como propaganda. 

Em relação às licitações, não há proibição de abrir ou concluir certames em ano eleitoral. 

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já decidiu que a realização de licitações é possível, desde que obedecidos os princípios de impessoalidade e de continuidade administrativa.

Contudo, existem restrições quanto ao uso de programas sociais, obras e serviços que possam influenciar a opinião do eleitor. 

Por exemplo, a distribuição gratuita de bens pelo governo pode ser interpretada como vantagem eleitoral. 

Por isso, licitações voltadas à compra de bens para distribuição (como cestas básicas) devem ter justificativas transparentes e atender às necessidades da população, não ao interesse eleitoral.

Eficiência orçamentária em ano de eleição

Embora as licitações não sejam proibidas, é comum observar que alguns governos priorizam o uso do orçamento para despesas do exercício corrente em detrimento de restos a pagar. 

Sobre cobrança de pagamentos esclarece que, em ano eleitoral, os gestores podem priorizar gastos do exercício e postergar pagamentos de anos anteriores. 

Essa prática pode causar atrasos nos pagamentos de contratos em execução, pois a legislação obriga a Administração a cumprir metas fiscais e proíbe a realização de despesas sem previsão orçamentária.

Portanto, o licitante deve considerar o risco de atraso e preparar-se financeiramente, como discutido no artigo de gestão financeira (capital de giro, antecipação de recebíveis e planejamento de fluxo de caixa).

Participar de licitações em ano eleitoral pode ser vantajoso, pois a demanda por bens e serviços continua, mas o licitante precisa observar o orçamento e o cronograma de pagamentos.

Cuidados a serem tomados

  1. Verificar dotação orçamentária – Examine se a licitação possui dotação orçamentária específica ou se depende de recursos que só serão disponibilizados após a eleição. Se a licitação for para um projeto de longo prazo, verifique se há previsão de recursos para o próximo exercício.
  2. Atenção ao cronograma – O calendário eleitoral define prazos de condutas vedadas, geralmente a partir de três meses antes do pleito. Evite que a execução de obras ou serviços coincida com períodos de vedações. Se for inevitável, certifique-se de que o objeto não possa ser interpretado como propaganda eleitoral.
  3. Documente tudo – Mantenha registros das entregas, comunicações com o órgão, autorizações de pagamentos e aditivos. Em caso de questionamento ou denúncia, a documentação comprova a legalidade da contratação e da execução.
  4. Planejamento de fluxo de caixa – Considere que pagamentos podem atrasar, principalmente se houver troca de gestão. Utilize técnicas de gestão financeira abordadas no artigo 3 para garantir fôlego em períodos incertos.
  5. Comunicação com a administração – Mantenha diálogo constante com o órgão contratante para entender eventuais impactos do calendário eleitoral sobre os prazos.

Oportunidades em período eleitoral

Apesar das cautelas, o ano eleitoral oferece oportunidades:

  • Continuidade dos serviços essenciais – Setores como saúde, educação, segurança pública e obras de infraestrutura não podem parar. Licitações para manutenção de hospitais, abastecimento de escolas e policiamento continuam ocorrendo.
  • Planejamento antecipado – Alguns órgãos aceleram licitações no início do ano eleitoral para garantir a continuidade de projetos antes das vedações. Este é um momento para ficar atento às publicações.
  • Menor concorrência – Muitos licitantes evitam participar por receio de atrasos. Quem se mantém no mercado amplia suas chances de vencer com preços adequados.

Fases de transição e continuidade

Após as eleições, há um período de transição entre a gestão antiga e a nova. Os contratos em execução continuam válidos e devem ser cumpridos pela nova administração. 

Entretanto, pode ocorrer atraso na análise de notas fiscais e em processos administrativos. 

Lembre-se de que o contrato é um ato jurídico perfeito, devendo ser honrado independentemente de quem venceu a eleição. 

Se houver atraso sistemático, siga os passos discutidos no artigo de gestão financeira e considere a antecipação de recebíveis para equilibrar o fluxo de caixa.

Calendário eleitoral e condutas vedadas detalhadas

O calendário eleitoral traz datas específicas que impactam as licitações. 

Em geral, a partir do 1º de janeiro do ano da eleição, algumas condutas são restritas; seis meses antes do pleito, fica vedada a distribuição gratuita de bens e programas sociais por parte da Administração; e três meses antes da eleição, proíbe-se a contratação de shows, a publicidade institucional e a transferência voluntária de recursos, com exceção de casos emergenciais. 

Apesar dessas restrições, a abertura de licitações continua permitida, desde que o objeto não configure propaganda eleitoral ou favorecimento político. 

Conhecer esse cronograma ajuda a planejar a participação e evitar contratempos.

Lei de Responsabilidade Fiscal e impacto orçamentário

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) determina limites de gasto e endividamento para estados e municípios, especialmente nos últimos quadrimestres do mandato. 

Nos 180 dias anteriores ao encerramento do mandato, a LRF proíbe a assunção de despesas que não possam ser pagas dentro do exercício ou que extrapolam o mandato seguinte. Isso significa que as licitações iniciadas em outubro de um ano eleitoral precisam ter recursos assegurados para não se transformar em restos a pagar. 

Em ano eleitoral, gestores priorizam despesas do exercício corrente e podem postergar pagamentos de anos anteriores, o que reforça a necessidade de verificar a dotação orçamentária e a lei de diretrizes orçamentárias (LDO) antes de apresentar proposta. Portanto, analise se há previsão de pagamento no mesmo ano e calcule o impacto no fluxo de caixa.

Planejamento estratégico para licitar em ano eleitoral

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<em>Licitações em ano eleitoral</em>

Para mitigar riscos e aproveitar oportunidades, crie um plano específico:

  • Analise o orçamento do órgão – Consulte o portal de transparência para ver se há dotação suficiente e se o objeto da licitação consta nas metas do Plano Plurianual (PPA) e na Lei Orçamentária Anual (LOA).
  • Antecipe despesas – Se possível, compre insumos e contrate serviços necessários antes do período crítico, de modo que a execução não coincida com restrições eleitorais.
  • Negocie cronogramas – Ajuste o plano de execução com o órgão para evitar entregas em períodos em que pagamentos possam demorar. Proponha cronogramas que contemplem a transição de governo.
  • Use contratos com cláusulas de reajuste – Considere inserir cláusulas de reajuste anual ou de reequilíbrio para compensar eventuais atrasos, como discutido no artigo sobre composição de preços.
  • Monitore diligentemente – Use ferramentas de monitoramento para acompanhar mensagens e diligências, especialmente quando o pregoeiro mudar ou a equipe do órgão for reduzida durante a transição.

Estatísticas e oportunidades históricas

Apesar dos receios, dados divulgados por órgãos de controle e portais de transparência mostram que uma grande parte das licitações continua ocorrendo em anos eleitorais. 

Setores essenciais, como saúde, educação e segurança, mantêm seus processos normalmente, pois não podem interromper o serviço público. 

Além disso, municípios e estados buscam concluir obras e projetos antes do fim do mandato, acelerando a contratação de serviços e fornecimentos no primeiro semestre. 

Para micro e pequenas empresas, isso significa mais oportunidades. 

Mantenha-se informado sobre o calendário de licitações do seu segmento e aproveite a redução da concorrência, pois muitos desistem por medo de atrasos.

Dicas finais e preparação para o pós-eleição

Após a eleição, há uma fase de transição administrativa em que os novos gestores se familiarizam com os contratos em andamento. Para se preparar:

  1. Atualize cadastros e certidões – Antes do encerramento do ano, renove documentos que vencerão no período de transição para evitar problemas na liberação de pagamentos.
  2. Fortaleça o relacionamento com o setor técnico – Muitas vezes, servidores de carreira permanecem, enquanto secretários são substituídos. Manter contato com a equipe técnica garante continuidade na comunicação.
  3. Guarde a documentação – Arquive toda comunicação oficial, como e-mails, atas de reuniões e termos aditivos. Em caso de questionamento pela nova gestão ou por órgãos de controle, você terá provas da conformidade do contrato.
  4. Participe de reuniões de transição – Se convidado, apresente o status do contrato e esclareça dúvidas da nova equipe. A transparência ajuda a evitar atrasos e quebra de confiança.
  5. Avalie antecipação de recebíveis – Conforme explicado no artigo de gestão financeira, considerar essa modalidade pode garantir que você atravesse o período de transição sem comprometer o fluxo de caixa.

Mitos e verdades sobre licitações em ano eleitoral

Apesar de circular em grupos de empresários e redes sociais, alguns boatos carecem de fundamento. Entre os mitos mais comuns estão:

  • “Não existem licitações em ano eleitoral” : Falso. A legislação eleitoral não proíbe a abertura de licitações; ela restringe apenas o uso de obras e serviços com finalidade de promoção eleitoral. Órgãos públicos continuam contratando e precisam comprar bens e serviços para garantir o funcionamento da máquina.
  • “Os pagamentos serão todos suspensos após a eleição”: Não necessariamente. Há risco de atraso, mas contratos com previsão orçamentária continuam sendo pagos. O planejamento financeiro e a antecipação de recebíveis servem justamente para enfrentar eventuais atrasos.
  • “Somente grandes empresas vencem licitações em anos de mudança de governo”: Outro mito. Muitas micro e pequenas empresas aumentam suas chances nesse período porque parte da concorrência se retrai. Com preços bem estruturados e com garantia de capital de giro, pequenas empresas aproveitam a menor concorrência para fechar contratos.

Ao conhecer esses mitos, os licitantes podem tomar decisões informadas e aproveitar oportunidades em vez de se afastar do mercado.

Comparativo histórico e perspectivas futuras

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Licitações em ano eleitoral

Para entender melhor o cenário, vale analisar dados de anos anteriores. 

Em diferentes estudos publicados por tribunais de contas e portais de transparência, observa-se que, mesmo em anos eleitorais, os valores licitados em setores essenciais (saúde, educação, segurança e infraestrutura) se mantêm altos ou até aumentam no primeiro semestre. 

Já as licitações de programas sociais e obras de visibilidade podem sofrer retração no segundo semestre devido às restrições. Essa tendência reforça a importância de monitorar a agenda de cada órgão: antecipar-se aos editais publicados no início do ano e ajustar o planejamento para o segundo semestre.

No futuro, com a consolidação do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) e a adoção de inteligência artificial na Administração, espera-se maior transparência e previsibilidade mesmo em períodos eleitorais. 

As empresas que investirem em processos e tecnologia agora estarão preparadas para aproveitar esse cenário. Aproveite também para revisitar artigos deste guia sobre pesquisa de mercado e inteligência artificial para integrar estratégias e aumentar sua competitividade.

Conclusão

Licitar em ano eleitoral não é apenas permitido, é necessário para garantir a continuidade dos serviços públicos. 

A empresa que se informa, verifica o orçamento, planeja seu caixa e respeita as condutas vedadas terá mais confiança para concorrer. 

Ao entender como a legislação eleitoral impacta os contratos e como o orçamento é executado, o licitante pode aproveitar oportunidades e planejar riscos. 

Em resumo, o ano eleitoral exige atenção redobrada, mas não deve ser motivo para abandonar licitações.

Pelo contrário, com planejamento e estratégias sólidas, ele pode se tornar um período de consolidação e crescimento.

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas é palestrante e especialista em licitações públicas, com mais de 20 anos de experiência orientando empresas a vender para o governo de forma estratégica e segura.

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