Por RICARDO RIBAS DA COSTA BERLOFFA.
Professor. Advogado. Consultor. Sócio do Escritório Route Assessoria Juridica. Especialista em Direito Constitucional e Direito ProcessualCivil. Professor da empresa de treinamentos Route Editora e Treinamentos. Foi Professor de Direito da EPD – Escola Paulista de Direito; do Complexo Jurídico Damásio de Jesus; da Universidade Bandeirante de São Paulo UNIBAN. da empresa LEX Cursos Jurídicos; e, da empresa de treinamento Viana e Consultores. Foi SecretárioExecutivo da Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo – ARSESP; Chefe de Gabinete e Assessor Jurídico da Comissão de Serviços Públicos de Energia do Estado de São Paulo – CSPE. Foi membro de Comissões Permanentes e Especiais de Licitação e Pregoeiro do Estado de São Paulo. Autor dos livros “Procedimento Sumaríssimo (Comentários à Lei nº 9.957/2000) e o Novo Enfoque Mundial das Relações Trabalhistas”, “Manual de Licitações Públicas – Uma abordagem prática e sem mistérios”, “A nova modalidade de Licitação: Pregão”, “A modalidade de licitação Pregão – Uma análise dos procedimentos dos Pregões Presencial e Eletrônico”, “Introdução ao Curso de Teoria Geral do Estado e Ciências Políticas”, “Licitações com Micros e Pequenas Empresas”
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Com a promulgação da Lei Federal nº 14.133, em 01º de abril de 2021, passamos a ter duas leis de licitações como normas gerais aplicáveis as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e, também aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, dos Estados e do Distrito Federal e os órgãos do Poder Legislativo dos Municípios, quando no desempenho de função administrativa; bem como aos fundos especiais e as demais entidades controladas direta ou indiretamente pela Administração Pública.

Pois bem, quando abordamos o tema DISPENSA DE LICITAÇÃO, dentre tantos outros assuntos, os principais questionamentos gravitam em torno da dispensa por valor, da dispensa por emergência e da vinculação permanente à Nova Lei de Licitações.

  1. Iniciando pela dispensa por valor, temos três hipóteses tratadas no art. 75 da nova lei de licitações: (a) dispensa para contratação que envolva valores inferiores a R$ 100.000,00, no caso de obras e serviços de engenharia ou de serviços de manutenção de veículos automotores; (b) dispensa para contratação que envolva valores inferiores a R$ 50.000,00, no caso de outros serviços e compras; e, (c) dispensa para contratação que tenha por objeto produtos para pesquisa e desenvolvimento, limitada a contratação, no caso de obras e serviços de engenharia, ao valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais).

Um primeiro ponto importante, e que cria mais dinamismo na contratação pública é que nos termos do art. 95 da Nova Lei de Licitações as dispensas por valor dispensam a celebração de instrumento de contrato formal, podendo substituí-lo por outro instrumento hábil, como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de
serviço.

É importante atentarmos para o comando do § 1º do art. 75 que, visando impedir o fracionamento da despesa, disciplina que para a aplicação da dispensa do valor os órgãos deverão observar dois aspectos limítrofes: (a) o somatório do que for despendido no exercício financeiro pela respectiva unidade gestora; e, (b) o somatório da despesa realizada com objetos de mesma natureza, entendidos como tais aqueles relativos a contratações no mesmo ramo de atividade.

Notem que a verificação da possibilidade de efetivação da dispensa por valor deverá considerar outras despesas de mesma natureza já realizadas, e, importante, independentemente ou não de terem sido realizadas por dispensa ou licitação.

Novidade boa é a disciplina do § 2º do mesmo artigo, que veio criar regra automática de revisão dos valores para dispensa. Sim, porque devem lembrar os operadores mais antigos da Lei Federal nº 8666/93 que durante anos os valores ficaram estacionados em R$ 8000,00 e R$ 15.000,00, antes de serem atualizados para R$ 17.600,00 e R$ 33.000,00.

Agora, teremos uma regra automática, o art. 182 da Nova Lei de Licitações determinou que o Poder Executivo Federal atualizará, a cada dia 1º de janeiro, pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) ou por índice que venha a substituí-lo, os valores fixados na nova lei, dentre eles os de dispensa por valor, os quais serão divulgados no
PNCP.

Na dispensa por valor temos ainda mais novidades, o § 3º do art. 75 determina que as dispensas por valor serão preferencialmente precedidas de divulgação de aviso em sítio eletrônico oficial, pelo prazo mínimo de 3 dias úteis, com a especificação do objeto pretendido e com a manifestação de interesse da Administração em obter propostas adicionais de eventuais
interessados, devendo ser selecionada a proposta mais vantajosa.

E quando a norma menciona ‘preferencialmente’ cria a obrigação ao gestor público de justificar a não aplicação do caminho recomendado pela norma. Isto é, pode não ser feita a divulgação previa da intenção de dispensa? Sim, porque a norma menciona ‘preferencialmente’, ou seja, abre a alternativa para a não realização. Todavia, neste caso de não divulgação da
intenção de dispensa, deverá a Administração justificar (e comprovar os motivos da justificativa) a escolha realizada.

Nota importante é a conclusão lógica de que se a Administração deve divulgar a sua intenção de dispensa com antecedência, obviamente deverá indicar os meios de interação do interessado com a Administração, ou seja, como poderá um terceiro ofertar o seu preço.

Quanto ao pagamento das dispensas por valor, mais novidades, agora a regra geral será o pagamento por meio de “cartão de pagamento”, o que confere maior agilidade ao pagamento.

Tal cartão deverá ter seu extrato divulgado e mantido à disposição do público no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) para controle amplo, inclusive popular.

  1. A segunda dispensa mais questionada em nossas aulas e mídias sociais é a dispensa emergencial. Historicamente desvirtualizada na égide da Lei Federal nº 8666/93 principalmente em decorrência de emergências nominadas usualmente por ‘fabricadas’ a dispensa emergencial veio com novos e importantes contornos na Nova Lei de Licitações.

A Nova Lei de Licitações traz em seu art. 75, VIII a nova dispensa emergencial, como o mesmo objetivo, evitar situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a continuidade dos serviços públicos ou a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens,
públicos ou particulares.

Em que pese a Antiga Lei de Licitações já trouxesse idêntica disposição, o legislador fez questão de assentar que a dispensa emergencial somente pode ter por objeto o quantitativo necessário ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa.

Por outro lado, menciona o dispositivo legal que o objeto da dispensa deve contemplar as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 1 (um) ano. Aqui
temos uma melhora no prazo visto que a Antiga Lei de Licitações previa apenas 180 dias como
limite.

Juntando-se estes dois elementos poder-se-ia concluir, equivocadamente, que toda e qualquer dispensa emergencial poderia ter o prazo máximo de um ano.

Na verdade, se conjugarmos a orientação jurisprudencial dominante, perceberemos que a interpretação correta vai no sentido de que: (a) o quantitativo necessário deve limitar-se ao essencial para o atendimento da situação emergencial ou calamitosa; e, (b) se essa situação emergencial perdurar por prazo longo “sem outra solução possível”, poderá chegar a um ano.

Vamos lá, aqui precisamos de um exemplo didático e vamos resgatá-lo na pandemia covid19:


Imaginem que determinado hospital público se encontra em plena pandemia sem máscaras de proteção. Poderia ele adquirir o quantitativo de máscaras para um período estimado de um ano? A resposta deve ser NÃO.

E por que a resposta é negativa? Simples, porque ressalvado um curto período de um ou talvez dois meses necessários à execução de procedimento licitatório, todo o resto do período não seria “emergencial”.

Em outras palavras, no nosso exemplo acima, emergencial é o período de um ou dois meses em que a Administração não possui as máscaras e não consegue terminar com êxito uma licitação competitiva.

Entendido este aspecto, devemos esclarecer que a prorrogação do contrato emergencial continua proibida.

Mas, e aqui vem um grande ‘mas’, a Nova Lei de Licitações reconheceu a possibilidade legal de novo contrato emergencial para a mesma emergência. Sim, porque, pensem comigo, e se a emergência ou calamidade não terminar em um ano, o que a Administração poderá fazer?

O que muito se fazia (e se faz) de forma questionável na vigência da Lei Federal nº 8666/93 é, ante a inexistência da possibilidade de prorrogação do contrato emergencial, celebrar-se um novo contrato emergencial que – adivinhem ! -, acaba sendo assinado com a empresa que já prestava o serviço emergencial.

Tal expediente perpetuava a empresa na execução do serviço, sem licitação, e, obviamente, era duramente criticada na jurisprudencia.

Assim, a Nova Lei de Licitações, reconhecendo que pode eventualmente ser necessária uma nova contratação emergencial para a mesma emergência por conta do prazo máximo de vigência contratual e a impossibilidade de sua prorrogação, tratou de determinar a impossibilidade da recontratação de empresa já contratada emergencialmente.

Ainda quanto a contratação emergencial, vale um alerta, como vem julgando o Tribunal de Contas da União recentemente, assuntos semelhantes em legislações diferentes devem ser tratados de forma semelhante.

Vou explicar melhor, não é porque a legislação está mudando que os entendimentos dos Tribunais irão mudar quanto a assuntos já consolidados pelas Cortes como, p.ex., emergências fabricadas, responsabilização de servidor por emergência irregular, julgamento de contrato emergencial como irregular. Assim, as cautelas de praxe com a contratação emergencial, todas elas permanecem válidas e atuais.

  1. Por fim, a dúvida mais comum, a possibilidade de utilizar a Nova Lei de
    Licitações e, depois, retornar para a Antiga Lei de Licitações.

Pode a Administração realizar, p.ex., uma dispensa de licitação utilizando os novos valores da Lei Federal nº 14.133/21 e, ato contínuo, utilizar a Lei Federal nº 8.666/93 para realizar, p.ex., uma licitação por convite?

Sim, pode!

Quem disciplina essa faculdade é o art. 191 da Nova Lei de Licitações, determinando que até o decurso do prazo de implantação obrigatória da Nova Lei, a Administração poderá opta por licitar ou contratar diretamente de acordo com a Nova Lei ou de acordo com a Antiga Lei, devendo a opção escolhida ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta.

Agora, cuidado, embora seja vedada expressamente a aplicação combinada da Nova Lei com a Antiga Lei, muitos órgãos públicos vêm misturando as duas normas. Vários já são os casos já divulgados.

Um ponto importante também a ser esclarecido, e aqui recomendo muita atenção, é o fato de que se for utilizada a Nova Lei para a contratação, os contratos decorrentes deverão ser por ela também geridos.

Assim, usou-se a Nova Lei, o contrato terá que ter o formato e atender as exigências da Nova Lei.

E é aí que temos que ter uma atenção maior ainda, várias disposições e exigências contratuais foram alteradas na Nova Lei, algumas inclusive sendo mais rigorosas em caso de descumprimento contratual. Mais, as regras de pagamento mudaram, você sabia que o prazo de pagamento de 30 dias não existe mais? E que o prazo para suspender a execução contratual que era de 90 dias também mudou? Pois é… recomendo cautela e capacitação antes de aventurar-se na Nova Lei de Licitações.

Enfim, a dispensa por valor e a dispensa emergencial mudaram e, ao que parece, para melhor para ambos os lados contratantes.
Será necessária uma atenção redobrada com as cautelas contratuais e com as vedações legais, regras as quais temos um prazo curto de menos de dois anos para aprender e aplicar, lembrando que já existem órgãos aplicando a Nova Lei de Licitações.